ALÉM DOS LAUDOS PERICIAIS
(REFLEXÕES
SOBRE UMA PSICOLOGIA PSICANALÍTICA NO ÂMBITO JURÍDICO)
*Zeno
Germano
A inserção do Psicólogo no âmbito
jurídico ainda é um processo em construção. De um lado o cargo
precisa ser ampliado, ofertado em maior número por exemplo, nos
Tribunais de Justiça de alguns Estados, onde a figura do Assistente
Social é sempre presente e o Psicólogo fica, aparentemente, em
segundo plano. Por outro lado, questões que envolvem aspectos legais
(adoção, separação, guarda etc.) costumam freqüentemente
demandar a intervenção do Psicólogo, seja em instituições
públicas ou mesmo nos consultórios particulares.
Dentro deste processo de construção,
já se encontram profissionais da Psicologia envoltos em reflexões
sobre suas práticas e as suas relações com outros profissionais e
os juízes. No que diz respeito a outros profissionais, já se
percebe nitidamente a necessidade do compartilhar conhecimentos e
integrar discursos no que se refere às “coisas” com que lidam no
âmbito jurídico, enquanto que ao serviço de Psicologia resta cada
vez mais freqüente um questionamento das possibilidades, não apenas
de inserção mas também de atuação deste profissional. Nesta
perspectiva, a construção de uma prática psicológica a partir da
Psicanálise é cada vez mais possível.
Se formos focar a nossa atuação, o que tem caracterizado o
Psicólogo, via de regra, junto ao jurídico? O Psicólogo é
convocado pelo juiz para o exercício de uma perícia, ou seja, uma
função claramente técnica que precisa da aplicação de
entrevistas e testes psicológicos, ferramenta aparentemente sine
qua non nesta perspectiva.
O uso de testes não deve, entretanto, ser contestado por si mesmo.
Não há dúvida que são o grande instrumental da intervenção
psicológica. O que ainda pode ser atacado pelos próprios juristas
ou mesmo outros profissionais é, antes, o que costuma ser
trabalhado pelo Psicólogo: a subjetividade. Tal imaterialidade, que
por si só pode resultar em várias possibilidades de interpretação,
coloca a Psicologia sempre em posição de ser questionada. Que
validade haveria para uma função de perícia na tomada de decisão
dos juízes?
O que interessa aqui é, na verdade, a posição técnica no
sentido do significado que isto representa quando se percebe que
muitos psicólogos têm estado apenas no fomento do lugar do
perito.Assim,correm o risco de se tornarem meros aplicadores de
testes e carimbadores de laudos que ainda pretendem dar conta total
da complexidade dos sujeitos.
Não é o uso de testes em si o objeto de contestação.
Questionamos sim, o risco de aniquilarmos o sujeito e de nos
prendermos apenas em uma função tecnocrata. Refletir o uso e
aplicação dos testes psicológicos significa não apenas pensar o
risco da tecnocracia no espaço do jurídico, mas antes, em qualquer
espaço onde a Psicologia esteja presente.
Se o momento da nossa profissão é o de rumar a uma revisão de
nosso alcance social separando-se de um modelo médico ortodoxo e
atuando de forma a mostrar nossa importância para a sociedade,
parece coerente que façamos um movimento semelhante no que diz
respeito ás atividades junto ao jurídico.
Tal aspecto pode proporcionar a hipótese de que não possa faltar,
de um lado, a consciência política que nos torne críticos quanto
aos fenômenos sócio-econômicos que são relevantes às dinâmicas
individuais ou grupais (familiares), e de outro lado, a importância
de um olhar e uma escuta clínica, que possa ir além do fenômeno
e abarque, principalmente, uma dinâmica de funcionamento emocional
do sujeito que nos procura.
O que basicamente nos diferencia de outros agentes sociais que
trabalham o humano? É a nossa escuta do “diferente.” Nosso olhar
sobre o que não se vê normalmente. Isto é que deverá nos
credenciar para nossas tomadas de decisões e não apenas o resultado
de aplicação psicométrica e conseqüente elaboração de laudos.
Se pegarmos a questão dos laudos como instrumentos de poder (que
são), precisamos então de maiores cuidados. O que se têm escrito
nestes documentos? O que nós, psicólogos estamos dizendo? Como é
isso de um “saber” fechado sobre alguém? Não podemos ser
levados pela ingenuidade de pensarmos que tais questionamentos não
cabem mais.
A relação de poder oriunda da atuação psicológica ainda se faz
presente no modus operandi de alguns profissionais da área.
Relação esta que violenta (para não dizer que mata) a
possibilidade de se escutar o sujeito que atendemos e torna o
Psicólogo obtuso quanto a sua atuação.
Abrir mão de uma posição de poder para que um sujeito possa
advir, eis uma questão que se coloca a nós. O advento desse
sujeito, traz para junto da intervenção no “mundo jus”, a
escuta que deve permear a clínica. Em outras palavras, o psicólogo
jurídico deve ser clínico também. E não apenas por aplicar
testes, mas sim, e fundamentalmente, ter uma escuta da dinâmica do
sujeito, de como este funciona.
Tal perspectiva deve trazer à tona novas reflexões; por exemplo,
que essa escuta clínica não deve ser confundida com uma
psicoterapia, sistematicamente falando, mas que bem conduzida,
propiciará a quem nos procura, um efeito da ordem do terapêutico.
E quanto às perguntas objetivas que os juízes demandam aos
psicólogos? Não requerem respostas objetivas? Talvez, a questão
maior aqui seja que precisamos nos lembrar constantemente que não
temos como “fechar” o comportamento de alguém para agradarmos
aqueles que nos inquerem.
Ser a objetividade passar apenas por um enquadramento do sujeito,
nossa posição deverá ser a de não objetividade. Mas se pensarmos
que a objetividade pode passar também pelo uso de linguagem clara
sobre as vicissitudes do movimento psíquico de cada um e propondo
sempre que possível um acompanhamento sistemático de cada caso,
estaremos eticamente conectados às peculiaridades de nossa atuação.
Temos condição de sustentar isto?
Juntamente com uma perspectiva clinica de escuta da
psicodinâmica dos sujeitos e de reconhecimento do contexto social e
histórico em que inserem aqueles que chegam até nós,muitos
psicólogos já estão provando que a atuação no espaço jurídico
pode extrapolar supostos limites.
O Hospital Geral Penitenciário do Rio de Janeiro, por meio do serviço de Psicologia, realiza debates com os presos sobre as
leituras que estes realizam,depois que houve a implantação de uma
biblioteca.O trabalho não visa interpretações intelectuais dos
textos,mas sim,os significados emocionais qu passam a ter para os
presidiários.
Outro exemplo de novas formas de intervenção é o Programa
de Atenção Integral ao Paciente Judiciário.Idealizado pela
psicóloga Fernanda Otoni,o trabalho já existe há cinco anos
promovendo a inserção social de condenados criminais portadores de
sofrimento mental.
Evidentemente,tais ações demandam apoio institucional e
político para que aconteçam.Mas é possível.Façamos projetos de
novas intervenções.Levemos ás instituições,governamentais ou
não,e teremos chances de concretizá-los.
Uma Psicologia que se pretenda de alguma forma, subversiva em
relação ao que se espera dela, ou seja, um conhecimento que
enquadra o sujeito, é uma Psicologia que se questiona na sua função
social.
Mas resta também uma pergunta;
Mas resta também uma pergunta;
Essa Psicologia subversiva, que não mata o sujeito e suspende o
juízo (psicanaliticamente falando) pode dialogar com domínio
jurídico? Isto exigiria uma disponibilidade interna não apenas dos
psicólogos, mas também daqueles que tem como tarefa dizer o
Direito.
*Psicólogo Tribunal de Justiça RO. Professor ULBRA. Psicoterapeuta
psicanalítico.
Contato: zeno.neto@ulbra.edu.br
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