sexta-feira, 15 de junho de 2012

ALÉM DOS LAUDOS PERICIAIS


ALÉM DOS LAUDOS PERICIAIS

(REFLEXÕES SOBRE UMA PSICOLOGIA PSICANALÍTICA NO ÂMBITO JURÍDICO)



*Zeno Germano




A inserção do Psicólogo no âmbito jurídico ainda é um processo em construção. De um lado o cargo precisa ser ampliado, ofertado em maior número por exemplo, nos Tribunais de Justiça de alguns Estados, onde a figura do Assistente Social é sempre presente e o Psicólogo fica, aparentemente, em segundo plano. Por outro lado, questões que envolvem aspectos legais (adoção, separação, guarda etc.) costumam freqüentemente demandar a intervenção do Psicólogo, seja em instituições públicas ou mesmo nos consultórios particulares.

Dentro deste processo de construção, já se encontram profissionais da Psicologia envoltos em reflexões sobre suas práticas e as suas relações com outros profissionais e os juízes. No que diz respeito a outros profissionais, já se percebe nitidamente a necessidade do compartilhar conhecimentos e integrar discursos no que se refere às “coisas” com que lidam no âmbito jurídico, enquanto que ao serviço de Psicologia resta cada vez mais freqüente um questionamento das possibilidades, não apenas de inserção mas também de atuação deste profissional. Nesta perspectiva, a construção de uma prática psicológica a partir da Psicanálise é cada vez mais possível.

Se formos focar a nossa atuação, o que tem caracterizado o Psicólogo, via de regra, junto ao jurídico? O Psicólogo é convocado pelo juiz para o exercício de uma perícia, ou seja, uma função claramente técnica que precisa da aplicação de entrevistas e testes psicológicos, ferramenta aparentemente sine qua non nesta perspectiva.

O uso de testes não deve, entretanto, ser contestado por si mesmo. Não há dúvida que são o grande instrumental da intervenção psicológica. O que ainda pode ser atacado pelos próprios juristas ou mesmo outros profissionais é, antes, o que costuma ser trabalhado pelo Psicólogo: a subjetividade. Tal imaterialidade, que por si só pode resultar em várias possibilidades de interpretação, coloca a Psicologia sempre em posição de ser questionada. Que validade haveria para uma função de perícia na tomada de decisão dos juízes?

O que interessa aqui é, na verdade, a posição técnica no sentido do significado que isto representa quando se percebe que muitos psicólogos têm estado apenas no fomento do lugar do perito.Assim,correm o risco de se tornarem meros aplicadores de testes e carimbadores de laudos que ainda pretendem dar conta total da complexidade dos sujeitos.

Não é o uso de testes em si o objeto de contestação. Questionamos sim, o risco de aniquilarmos o sujeito e de nos prendermos apenas em uma função tecnocrata. Refletir o uso e aplicação dos testes psicológicos significa não apenas pensar o risco da tecnocracia no espaço do jurídico, mas antes, em qualquer espaço onde a Psicologia esteja presente.

Se o momento da nossa profissão é o de rumar a uma revisão de nosso alcance social separando-se de um modelo médico ortodoxo e atuando de forma a mostrar nossa importância para a sociedade, parece coerente que façamos um movimento semelhante no que diz respeito ás atividades junto ao jurídico.

Tal aspecto pode proporcionar a hipótese de que não possa faltar, de um lado, a consciência política que nos torne críticos quanto aos fenômenos sócio-econômicos que são relevantes às dinâmicas individuais ou grupais (familiares), e de outro lado, a importância de um olhar e uma escuta clínica, que possa ir além do fenômeno e abarque, principalmente, uma dinâmica de funcionamento emocional do sujeito que nos procura.

O que basicamente nos diferencia de outros agentes sociais que trabalham o humano? É a nossa escuta do “diferente.” Nosso olhar sobre o que não se vê normalmente. Isto é que deverá nos credenciar para nossas tomadas de decisões e não apenas o resultado de aplicação psicométrica e conseqüente elaboração de laudos.

Se pegarmos a questão dos laudos como instrumentos de poder (que são), precisamos então de maiores cuidados. O que se têm escrito nestes documentos? O que nós, psicólogos estamos dizendo? Como é isso de um “saber” fechado sobre alguém? Não podemos ser levados pela ingenuidade de pensarmos que tais questionamentos não cabem mais.

A relação de poder oriunda da atuação psicológica ainda se faz presente no modus operandi de alguns profissionais da área. Relação esta que violenta (para não dizer que mata) a possibilidade de se escutar o sujeito que atendemos e torna o Psicólogo obtuso quanto a sua atuação.

Abrir mão de uma posição de poder para que um sujeito possa advir, eis uma questão que se coloca a nós. O advento desse sujeito, traz para junto da intervenção no “mundo jus”, a escuta que deve permear a clínica. Em outras palavras, o psicólogo jurídico deve ser clínico também. E não apenas por aplicar testes, mas sim, e fundamentalmente, ter uma escuta da dinâmica do sujeito, de como este funciona.

Tal perspectiva deve trazer à tona novas reflexões; por exemplo, que essa escuta clínica não deve ser confundida com uma psicoterapia, sistematicamente falando, mas que bem conduzida, propiciará a quem nos procura, um efeito da ordem do terapêutico.

E quanto às perguntas objetivas que os juízes demandam aos psicólogos? Não requerem respostas objetivas? Talvez, a questão maior aqui seja que precisamos nos lembrar constantemente que não temos como “fechar” o comportamento de alguém para agradarmos aqueles que nos inquerem.

Ser a objetividade passar apenas por um enquadramento do sujeito, nossa posição deverá ser a de não objetividade. Mas se pensarmos que a objetividade pode passar também pelo uso de linguagem clara sobre as vicissitudes do movimento psíquico de cada um e propondo sempre que possível um acompanhamento sistemático de cada caso, estaremos eticamente conectados às peculiaridades de nossa atuação. Temos condição de sustentar isto?

Juntamente com uma perspectiva clinica de escuta da psicodinâmica dos sujeitos e de reconhecimento do contexto social e histórico em que inserem aqueles que chegam até nós,muitos psicólogos já estão provando que a atuação no espaço jurídico pode extrapolar supostos limites.

O Hospital Geral Penitenciário do Rio de Janeiro, por meio do serviço de Psicologia, realiza debates com os presos sobre as leituras que estes realizam,depois que houve a implantação de uma biblioteca.O trabalho não visa interpretações intelectuais dos textos,mas sim,os significados emocionais qu passam a ter para os presidiários.

Outro exemplo de novas formas de intervenção é o Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário.Idealizado pela psicóloga Fernanda Otoni,o trabalho já existe há cinco anos promovendo a inserção social de condenados criminais portadores de sofrimento mental.

Evidentemente,tais ações demandam apoio institucional e político para que aconteçam.Mas é possível.Façamos projetos de novas intervenções.Levemos ás instituições,governamentais ou não,e teremos chances de concretizá-los.

Uma Psicologia que se pretenda de alguma forma, subversiva em relação ao que se espera dela, ou seja, um conhecimento que enquadra o sujeito, é uma Psicologia que se questiona na sua função social.

Mas resta também uma pergunta;

Essa Psicologia subversiva, que não mata o sujeito e suspende o juízo (psicanaliticamente falando) pode dialogar com domínio jurídico? Isto exigiria uma disponibilidade interna não apenas dos psicólogos, mas também daqueles que tem como tarefa dizer o Direito.





*Psicólogo Tribunal de Justiça RO. Professor ULBRA. Psicoterapeuta psicanalítico.



Contato: zeno.neto@ulbra.edu.br


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