A
Sustentação do Lugar do Analista. (Considerações sobre a Clínica
Psicanalítica).
Resumo: Este artigo faz uma exposição da compreensão do
conceito de Lugar do Analista segundo Juan David Nasio,
contextualizando-o a partir do desenvolvimento histórico da
Psicanálise no que diz respeito á postura do analista dentro do
processo de análise. Em seqüência busca exemplificar por meio de
fragmentos de sessão a experiência do analista de sustentação
deste lugar, essência mesmo da clínica e da relação analítica.
Palavras-Chaves: Psicanálise.Clínica. Lugar do analista.
Desde os primeiros momentos em que Freud passa a escrever de forma
sistemática sobre a questão da formação psicanalítica, o que nos
remete aos famosos ‘’Artigos sobre a Técnica “de 1912”, a
busca por se alcançar os princípios básicos postulados pelo pai da
Psicanálise como necessários para a concretização adequada da
intervenção psicanalítica foi se tornando algo como que
“intocável”. Assim permaneceu durante bom tempo, provavelmente
apenas vindo a sofrer seus primeiros grandes questionamentos a partir
de Jacques Lacan em fins dos anos 40.
O desenvolvimento das Sociedades Psicanalíticas contribuiu
efetivamente para a implantação definitiva dos padrões de formação
do analista e gradativamente foi sendo adicionada a modelos
universitários de formação quando a Psicanálise passou a fazer
parte também de currículos acadêmicos.
Importante então ressaltar que a inclusão da Psicanálise no meio
acadêmico foi se dando também em meio ao surgimento de outras
técnicas de psicoterapia que traziam variações importantes tanto
técnicas quanto teóricas, inclusive no tocante á formação do
terapeuta. Algumas destas variações ainda estavam diretamente
ligadas aos princípios freudianos, surgindo então daí as
psicoterapias psicanalíticas ou de orientação analítica.
Tais variações, no entanto, na busca pela consolidação da
formação, também acabaram por cair em um engessamento da formação,
representada principalmente sobre como o analista conduz o tratamento
psicanalítico. A importante junção de procedimentos técnicos e
éticos acabou por reduzir-se a esteriótipos da figura do analista e
seus comportamentos dentro e fora do consultório.
Parece-nos assim, que muito deste esteriótipo está relacionado a
figura do analista como um profissional que quase nada fala no
trabalho analítico, que somente escuta e desvia efetivamente
qualquer pergunta que lhe seja dirigida pelo analisando como
manifestação de resistência deste.
Tal esteriótipo pode ser facilmente encontrado em muitos
psicoterapeutas que defendem a posição por estarem dando seqüência
ao que foi devidamente postulado por Freud. Logo, o analista “mudo”,
onde a resistência é basicamente do analisando, torna-se o padrão
seguido rigidamente.
Não estamos diante de um equívoco? Nazio (1999,p.07) aponta; “A
caricatura do analista eternamente silencioso, sugerindo que a
análise se desenrola ao sabor da fala, é uma visão incorreta. É
uma caricatura errônea do nosso trabalho de analista e lhe é
nociva.”
Aspectos da técnica psicanalítica.
Evidentemente, a técnica psicanalítica que enfoca o discurso do outro a partir do inconsciente exige de quem a pratica, uma posição que deverá privilegiar a escuta em detrimento da fala. E a quem cabe falar? Ao analisando, sem dúvida. Mas não nos parece claro que ao analista só caiba escutar.
Voltando a escuta, nos remetemos imediatamente a técnica fundamental
da livre associação por parte do analisando e da atenção
flutuante por parte do analista. A solidificação destas duas vias
mestras de atuação na clinica constroem a compreensão da
“ausência” de fala do analista. A ele cabe escutar com atenção
flutuante a livre associação do analisando.
Szczupak (1991), clarifica a relação que o analista deve ter com a
fala do analisando, fala esta em associação livre, pela via da
interpretação. Diz a autora;
A associação livre é que dá
margem a que o analista perceba o material inconsciente a que ela
inevitavelmente faz alusão. Se em tudo o que o paciente fala o
material inconsciente se apresenta de forma camuflada, o disfarce
encobre e ao mesmo tempo denuncia, faz alusão a um outro sentido que
, com o tempo, começa a se delinear. O analista, através de sua
interpretação, aponta para este material com suas próprias
palavras. Se houver alguma semelhança, o paciente a descobre.( SZCZUPAK, 1991,p.
19 )
Entendemos assim, que a associação livre da fala do analisando,
imbuída de inconsciente, precisa ser escutada para que o analista
possa ir construindo a interpretação. Mas porque esta escuta
estaria revestida de silêncio? Precisaremos pensar outra coisa.
É pela via da transferência, motor do tratamento psicanalítico,
que poderemos ampliar a compreensão de como é a escuta analítica.
Tyson e Eizirik (2005) escrevem sobre a conceituação do termo em
Psicanálise;
Muita coisa foi escrita em
diversas línguas sobre transferência. Talvez em um dos artigos mais
proveitosos, Brian Bird (1972) revisa as idéias originais
desenvolvidas por Freud sobre transferência e refere-se a elas como
um fenômeno universal e a parte mais difícil do tratamento.
Concordamos com Bird e muitos outros autores que vêem a
transferência, em um significado mais amplo, como ubíqua, no
sentido de que nossa experiência de relacionamentos passados afeta
nossas relações presentes, embora de maneiras complexas das quais
não temos consciência. Entretanto, a transferência pode ser
convenientemente definida em um sentido mais restrito;nesta visão a
transferência do paciente aparece no tratamento na medida em que a
relação paciente-terapeuta é afetada inconscientemente por
experiências revistas e remodeladas de relacionamentos passados e
desenvolve-se além dos modelos costumeiros de relação e sentimento
interpessoal. ( TYSON e EIZIRIK, 2005,p.287)
A relação transferencial é
tão básica para este tipo de trabalho, que Freud adverte ser
recomendável que o analista só faça qualquer comunicação ( sobre
o material inconsciente) quando ela já estiver estabelecida. Haverá
uma ligação com a analista, então, suficiente para suportar o
contato com esse material que foi mantido afastado da consciência. (
SZCZUPAK, 1991,p.27 )
Conforme Freud (1912/1969); “Enquanto as comunicações e idéias do paciente fluírem sem qualquer obstrução, o tema da transferência não deve ser aflorado”. Deve-se esperar até que a transferência tenha se tornado uma resistência” (p.182)
Fica claro então que a transferência precisa ser estabelecida na relação analítica e para que se estabeleça é fundamental que o analista se abstenha de falar, deixando tal tarefa para o analisando. Mas o que deve ser evitado, até que a transferência funde seu lugar é a comunicação sobre o material reprimido. Não se ampliou a abstenção para a fala total do analista. Será que analistas “mudos” na clinica podem estar confundindo o que não deve ser comunicado ainda ao analisando com um nada falar?
Ao mesmo tempo não devemos esquecer que a institucionalização da Psicanálise estabeleceu padrões que acabaram por tornarem-se engessamentos ao longo de sua história desde a fundação da primeira Sociedade Psicanalítica em 1911. Moscovitz (1991) nos lembra; “Chegou-se a colocar que o analista deveria adotar uma presença neutra na sessão, com cores não muito vivas, sendo ideal o terno e a gravata discretos. Tudo isso para, entre outras coisas, não erotizar a relação, nem se fazer de vedete.” (p.103)
Podemos pensar que “regras” como estas também foram então sendo construídas ao longo da formação também no sentido de que o silêncio das palavras do analista imperasse em prol da transferência e da suposta neutralidade. Moscovitz (1991) mesmo, se preocupa em derrubar engessamentos quando afirma que na verdade, o analista tem que se contentar em respeitar as pessoas que recebe vestindo-se como deseja.
De acordo com Eizirik e Lewkowicz (2005), na compreensão clássica, a contratransferência se restringe á reação inconsciente do analista á transferência do paciente e é considerada decorrente dos conflitos neuróticos do analista.
Freud (1910/1969) que por sinal pouco enfatizou a contratransferência em sua obra destacou basicamente os aspectos negativos que ela exerce sobre o processo de tratamento psicanalítico. Diz o pai da Psicanálise introduzindo o termo pela primeira vez; “As outras inovações na técnica relacionam-se com o próprio médico. Tornamo-nos cientes da contratransferência que nele surge como resultado da influência do pacientes sobre seus sentimentos inconscientes.” (p.130 )
Assim percebemos que para Freud a contratransferência é um obstáculo á análise que precisa ser superado pelo analista. Outros autores posteriormente á Freud enfatizaram outros aspectos do fenômeno contratransferencial, ampliando-lhe o conceito. Eizrick e Lewkowicz (2005) apontam autores que se preocuparam em, considerando a contratransferência um obstáculo, não reprimi-la durante o processo e até mesmo a usá-la para favorecer o tratamento.
A ampliação do conceito de contratransferência passou a ser denominada como Conceito Totalistíco em oposição ao conceito clássico. Eizirik e Lewkowicz (2005) ressaltam;
Esse conceito considera a
contratransferência como um fenômeno normal no processo
terapêutico. Nesse sentido, ela contém elementos da realidade da
relação e pode incluir aspectos neuróticos do analista, abrangendo
suas reações conscientes e inconscientes e podendo ser utilizada
como instrumento de compreensão do paciente.De acordo com esta
visão, todos os sentimentos e atitudes do analista em relação ao
paciente são considerados contratransferência. ( EIZIRIK e LEWKOWICZ, 2005,p.303)
Não consideramos a
contratransferência no eixo da relação analista-analisando, mas
segundo outro, muito mais problemático: a relação do analista com
o seu lugar(...) Assim, definimos a contratransferência como o
conjunto das produções imaginárias do analista que o impedem de
ocupar o seu lugar de objeto .Lacan teria dito;desejo do analista.(NASIO, 1999,
p.121)
O analista, de acordo com Nazio, deve ocupar um lugar onde terá que lidar com a transferência na relação analítica, tendo mesmo que produzi-la. Quando não ocupa este lugar, está no fenômeno contratransferencial e ai, usando as palavras de Nazio (1991), não consegue operar, ou seja, não interpreta, não percebe e não causa o inconsciente.
A partir da impossibilidade de ocupar o Lugar de Analista, Nazio, com Lacan, propõe que, ao analista caberá, para não deixar de construir o inconsciente na relação analítica, fazer “Silencio em si”. Nasio (1999) escreve;
O analista só está
verdadeiramente disponível para a escuta, isto é, o analista só
consegue verdadeiramente transformar os derivados inconscientes do
seu paciente em uma interpretação ou em uma percepção alucinada
com a condição de deixar, abandonar, separar-se do seu Eu, de fazer
calar em si as ambigüidades, os enganos e erros do discurso
intermediário, para abrir-se enfim á cadeia das palavras
verdadeiras (...) É preciso pois, abandonar o EU.(NASIO, 1999,p.126)
Fazer silêncio em si significa
que espacialmente estamos fora de nós, exilados do Eu, ou, para
retomar o belo título de um livro recente escrito por uma amiga,
somos estranhos a nós mesmos. Somos estranhos a nós mesmos sem com
isso estarmos com o outro, meu semelhante, isto é, meu analisando,
nem com o Outro nem com o grande Outro, garantia da verdade. Não
estamos nem sós nem com os outros. Estamos sem mais ninguém. E por
estarmos sem mais ninguém, somos objetos. Sou onde não há EU. Sou
onde não penso. Sou onde não há outro, nem pequeno nem grande
Outro. Isso espacialmente. Temporalmente, não temos nenhuma
consciência da duração. O lugar do analista, o fazer
silêncio-em-si, só o ocupamos
na brevidade fulgurante de um clarão. (NASIO, 1999,p.126-127)
Segurar esta posição é a essência mesma da analise. Segurar a relação transferencial após produzi-la. Não estamos diante de uma das principais diferenças da clinica psicanalítica em relação ás outras formas de psicoterapia? Lembremos do quanto a transferência é fundamental para a Psicanálise. Neste ponto torna-se importante trazer á tona o conceito psicanalítico de neutralidade.
A neutralidade, outrora considerada ponto indiscutível na técnica psicanalítica, atualmente é compreendida de forma bem diferente da concepção freudiana original que a princípio se referia á questão como abstinência.
Freud (1919/1969) assim fez referencia á abstinência;
Por muito cruel que isso possa
parecer, devemos fazer o possível para que o sofrimento do doente
não desapareça prematuramente de modo acentuado. Quando este
sofrimento se atenuou, porque os sintomas se desagregaram e perderam
o seu valor, somos obrigados a recriá-lo noutro ponto sob a forma de
uma privação penosa (...) contudo não é bom deixar que se tornem
excessivas. (FREUD, 1919/1969, p.119-211)
A discussão sobre se a regra se
aplica ao terapeuta ou ao paciente merece alguma reflexão. No que se
refere ao paciente, será prudente a sua aplicação em
circunstancias muito especiais, por exemplo, em atuações
repetitivas que podem colocar em risco a própria vida do paciente
(...) não se pode exigir que o paciente se abstenha de certas
gratificações com a finalidade de criar um clima de frustrações
que venham a favorecer, na transferência, a análise de seus
conflitos. (PECHANSKY, 2005,p.240)
A questão da abstinência não deve aparecer como uma imposição na clinica psicanalítica atual. O que se evidencia hoje é o princípio da flexibilidade, desde que não se violem os princípios básicos do que constitui um trabalho psicanalítico.
É no exercício cotidiano da clínica psicanalítica que somos chamados ao desafio de poder manter o lugar do analista. É na relação analítica com o paciente que vivenciamos a experiência do inconsciente do outro.
V.40 anos, é minha paciente a um ano. Possui um histórico de relacionamentos amorosos fracassados que foram “abortados” como ela diz, por ela própria,”antes que ficasse mais serio e eu sofresse mais”(sic).Após o terceiro rompimento começa uma psicoterapia não analítica que dura seis meses e que é também abortada por V. Me procura após a quinta separação.
Um fragmento de sessão quando contávamos já sete meses de trabalho, ilustra bem o desafio de sustentação do lugar de analista.
- “Hoje não quero falar de mim. Diz V. Vamos falar de você. Estou vindo aqui já há um tempão e você ainda não falou nada sobre você mesmo.”
Esta fala é muito comum na clinica. Costuma incomodar os iniciantes e ás vezes até quem já tem um tempo de consultório. Também pude perceber meu próprio incomodo, entretanto procurei não lidar com ela como se estivesse fugindo, usando falas como “Estamos aqui pra falar de você” muito menos dei a V. o que ela queria, ou seja, não falei de mim. Pelo menos não como a paciente pode achar que queria.
Neste ponto inicio em silencio até que V. insiste;
- “ Me fale de você. Quantos anos tem?”
- “36”, respondo.
- “ Já percebi que você é casado. Tem filhos?”
- “Sim”
Seguem mais duas perguntas semelhantes , onde respondo de forma calma
e monossilábica até que V. fica em silencio.Aqui penso importante esclarecer. Respondo ás perguntas de V. sem responder. Imaginariamente, ela pode fantasiar que entraria em uma conversa habitual comigo, que eu ampliaria minhas respostas a detalhes de mim enquanto pessoa. Seu silencio após as perguntas é prova de sua frustração e ao mesmo tempo de seu entendimento do que estava tentando fazer. Entendo assim que não preciso necessariamente recorrer ao clássico chavão típico de muitos psicoterapeutas; É importante pra você?
Então intervenho: ” Parece que você ficou incomodada.”
- “ É.De repente não sei o que fazer...”
- “ Neste momento é tão difícil falar de suas coisas que você
só conseguiu querer falar de mim”.Digo a V.
- “ É que o outro psicólogo que tive falava mais. Falava o que eu
tinha de fazer. Voce não diz o que eu tenho de fazer.”
- “ Eu não acho que você queira que eu diga o que você deve
fazer.”
- Depois de uns minutos de silencio, V. fala: “ O outro psicólogo
falava...”
- “Então você deixou de ir.”Disse-lhe.
V. a partir daí, começou a associar como se sentia com o outro
psicólogo e como se sente comigo. Percebe sua tentativa de sabotar a
sessão e faz novas pontes entre o que sente agora e seus sentimentos
quanto aos homens com quem se relacionou.Penso importante salientar que senti incômodo com as falas da paciente. Parece que sempre esperamos que o paciente faça “tudo como tem que ser feito”, que associe sem maiores transgressões ao setting e que seja assim, “um bom paciente”.
Evidentemente a vivência da clinica, aliada ao nosso trabalho de análise pessoal nos possibilita cada vez maior equilíbrio diante de sentimentos como este, nos dando condições de manter nosso lugar na relação analítica e dar seguimento ao processo de análise dos pacientes.
Remeto-me a Lacan, que enfatizou; “Nunca se disse que o analista não deve ter sentimentos em relação ao seu paciente. Mas deve saber não apenas não ceder a eles, colocá-los no seu devido lugar, mas servir-se deles adequadamente na sua técnica.” (LACAN, 1979, p. 43)
Acredito que não precisamos fugir das perguntas que nossos pacientes nos fazem e sim que podemos responder desde que não coloquemos nossos desejos enquanto pessoas na cena analítica. Sendo mais pontual: Desde que não coloquemos nosso ego em cena.
Outro fragmento ilustrativo é o de M.32 anos, homem com timidez patológica e que foi meu paciente durante um ano e meio e que eu havia encontrado na padaria um dia antes da sessão relatada. No momento do encontro eu o cumprimentei educadamente como sempre faço quando encontro um paciente em situações fora da sessão. No dia da sessão ele fala;
- “Você sempre vai aquela padaria?”
- “Ás vezes.”, digo.
- “Eu já te vi por lá outras vezes. Você deve morar perto de lá
não é?”
- “Sim”
- “Dia desses te vi de bermuda e sandália. Estranho ver meu
psicólogo como uma pessoa normal”. (Fala expressando o rubor
característico de sua excessiva timidez.)
Neste ponto eu já havia percebido meu incomodo diante da fala do
paciente e permaneci em silencio, esperando para ver como ele
desenvolveria seu discurso. Curiosamente naquela sessão, ele
trabalhou normalmente e não escutei nada mais que pudesse apontar
uma resistência do paciente, nem minha.A questão voltou a se apresentar oito sessões depois. Nas anteriores já havia percebido uma mudança no ritmo do discurso de M. Seu estilo de falar vinha se mostrando mais cadenciado, quase deprimido. Já não trazia muitos conteúdos como antes, mesmo assim nada lhe apontei pois não conseguia “hipotetizar” uma compreensão de sua atual dinâmica.
Lembrei-me entao que eu o tinha visto em dois eventos sociais nas duas semanas seguintes ao nosso “encontro” na padaria. Nas duas ocasiões ele veio até mim e me cumprimentou, mas não havia trazido nada sobre isto nas sessões. Passei a ligar que o ritmo das sessões começou a mudar dias depois deste episódio que eu inicialmente ignorei, pois ele nada havia falado.
Então, na nona sessão após a citada inicialmente, M.fala das duas outras situações em que me cumprimentou;
- “Me senti estranho nas duas ocasiões em que lhe vi a noite.”
Diz M.
Permaneci em silencio. Então ele continuou mostrando-se agitado;
- “Achei que você podia ter me dado maior atenção. Achei que
você meio que me ignorou, foi monossilábico. Não gostei.”
Naquele momento minha mente já começava a ser contaminada com um
previsível incômodo e a tendência era ou permanecer em silêncio
ou solicitar que ele falasse mais sobre seus sentimentos, mas percebi
que esta última alternativa era minha defesa naquele momento.
Após um tempo em que ambos ficamos em um silencio que não sei hoje precisar, interpretei-lhe fazendo uma ligação com sentimentos homo eróticos que ele havia verbalizado ainda nas primeiras sessões e que sua hostilidade latente acabou por mudar a forma como vinha conduzindo suas associações e conseqüentemente me punindo.
As questões homo eróticas que foram trazidas no começo só ganharam sentido pra mim a partir daquele instante. Antes, além de não aparecerem muito nas associações de M, também eu não me “lembrava” delas porque me trouxeram sentimentos de rejeição quando ele as verbalizou inicialmente. Foi preciso que eu as mantivesse equilibradas em mim para que o incômodo que as associações do paciente me suscitaram não afetasse a relação analítica e minha escuta do seu inconsciente.
Assim, não se prender a compreensões engessadas, onde práticas discursivas (muitas vezes acadêmicas) impõem “modelos” de postura do analista que não necessariamente retratam o que é analisar no século XXI parece ser um dos grandes desafios para a Psicanálise nos dias atuais.
Pensar que o Lugar de sustentação do que é ser analista passa alhures de qualquer “caricatura hollywoodiana” é avançar na perpetuação de uma prática de questionamento do humano que há mais de um século nos ensina que não somos donos em nossa própria casa.
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Lacan, J. (1979). O Seminário 2: O eu na teoria de Freud e na
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Moscovitz, J.J e Grancher, P. (1991). Pra que serve a análise?
Conversas com um psicanalista. Jorge Zahar. Rio de Janeiro
Nasio, J.D. (1999). Como trabalha um psicanalista? Jorge
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Tyson, R e Eizirik, C.L.
(2005). Transferência. In; Eizirik, C.L, Aguiar,R.W. e
Schestatsky,S.S. Psicoterapia de orientação analítica:
Fundamentos teóricos e clínicos. Artmed. Porto Alegre.
* O autor é Psicólogo CRP01/7798. Psicoterapeuta Psicanalítico. zeno.neto@ulbra.edu.br
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